terça-feira, 6 de novembro de 2007
Você me chamou por telefone. Não te vejo há três meses… seis anos juntos e agora sem te ver… pela tua voz no telefone sei que você está controlando uma emoção, querendo bancar o homem seguro de si… e fico desesperada porque mesmo assim você consegue fingir solidez e eu… e eu… ao ouvir tua voz, o mundo se acalma… tudo estava rodando e se acalma, minha casa estava cheia de perigos, as facas, os garfos me ameaçavam das gavetas, as agulhas, os remédios envenenados, os mosquitos e bichos voando nas janelas querendo me atacar e tua voz vem calma no telefone e eu sei que é mentira que você vive em pânico mas eu fico toda emocionada, fico toda menina, toda protegida com o falso tom de bondade sórdida que tua pose de homem prático assume… e tua voz vem do mundo dos altos, dos fortes, e eu, mesmo sabendo dos perigos que esta paz me oferece, me arrumei toda para vir aqui ver você… penteei os cabelos negros que você ama, me pintei e então… tudo que se movia na casa se acalmou, pego um táxi e penso: “Tenho um homem” e salto na rua, mexem comigo e penso: “Chamo meu homem. Ele te bate!”… Sei que você é um covarde mas mesmo assim… Desde menina você já existia como uma nuvem no ar e subo confusa as escadas e entro em tua casa louca para procurar os vestígios das outras mulheres que te frequentam… e sei que você vai me receber sólido e filho-da-puta, e aos poucos vai me provar que você é o porto seguro e eu a galera enlouquecida, que eu sou a porra-louca e você a maravilha, eu sei, canalha, mas eu suportarei a humilhação para poder ver teus olhos e pensar: “Meu homem, meu homem, meu homem perdido e sempre eternamente meu homem”… e eu sei que conseguirei te desagregar pouco a pouco e que no fim da noite você estará caído feito um joão-ninguém entre pedaços de kriptonita e eu ajeitarei o batom, o salto alto e partirei vingada, pensando: “ Dorme, meu homem… dorme, my baby, that’s my boy”… e vou voltar sozinha pro mundo onde tudo gira feito um carnaval de arlequim e vou ficar infeliz feito nada… mas vou entrar… ficar normal… te olhar nos olhos… ficar normal… a porta está entreaberta… vou abrir… no horizonte vão nascer os olhos dele… quanto menos eu falar, melhor…
Ela já está diante de mim há 55 segundos e dois décimos… eu estou obsessivo com este negócio de dirigir filme de publicidade… sei quantos segundos gasto para ir até a cozinha…
Os olhos dele nasceram… detrás dos olhos dele há outros olhos outros outros…
(trecho do livro "Eu sei que vou te amar" - Arnaldo Jabor)
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ELIZABETH SECKLEN
- by Helô Neves
- "o luxo é uma válvula de escape tão indispensável à atividade humana quanto o repouso, o esporte, a reflexão (ou a oração)." Jean Castarède
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