Minha Casa
Se um dia você não estiver muito mal-humorado, com a cabeça pendendo para baixo e caladão num canto, você tem que vir me visitar.
Para deixar você com água na boca e balançando os pezinhos de ansiedade, vamos fazer de conta que você acaba de chegar, na imaginação.
Eu venho receber você no ancoradouro. O sol ainda está meio baixo, por cima do mar, mas já faz carinho na pele. Vou lhe dar a mão para descer do barco e, com um sorriso maroto, vou beliscar a ponta do seu nariz. Aqui no meu país é assim que damos as boas-vindas.
Vamos caminhar no pontilhão de madeira silenciosamente, cadenciando os passos ao ritmo da maré que gargareja na baía dourada. Depois, vamos subir o caminho de terra. Na primeira curva tem um bambuzal. Vamos dar uma parada discreta para olhar o mar que filtra espelhinhos de luz entre as folhas. Vale suspirar porque, a cada sopro que você der, jangadas minúsculas irão surgir, arrepiando a água azul, lá em baixo.
Vamos em frente e agora é preciso arregaçar as calças para atravessar o rio escuro. Cuidado para não escorregar nas pedras. No meio, tem uma pedra chata. Vamos sentar ali, um pouco. Você está vendo ali em cima, por cima daqueles arbustos acrobáticos? As frutas dessa mangueira são mágicas. Fazem você ver estrelas mais azuis, mais vermelhas, mais amarelas.
Na outra margem, o solo é liso e quente. Podemos tirar os sapatos e arrastar a planta do pé, patinando levemente, como se estivéssemos dançando. Quanto mais devagar, melhor, porque, a cada escorregada, uma nota vai despontar no céu, longa, firme. E, se você acompanhar o meu ritmo com cuidado, vai ser como se de repente mil orelhas pipocassem no seu corpo. Você vai ouvir sons que arrepiam o coração.
Lá em cima fica a minha casa. Já estamos chegando. Só falta mesmo atravessar a floresta de cipó e passar as mãos para sentir como eles se enroscam na sua nuca, correr pelo gramado com a boca bem aberta para sorver o vento de hortelã com canela e pular as doze cercas, prestando atenção aos gritinhos e prazer que as flores dão quando voamos por cima de seus pistilos coroados.
Pronto. Seja bem-vindo à minha casa. Não precisa agradecer. Ela é sua, todos os seus cantos e encantos.
Quando é que você vem?
Fernand Alphen
terça-feira, 19 de maio de 2009
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ELIZABETH SECKLEN
- by Helô Neves
- "o luxo é uma válvula de escape tão indispensável à atividade humana quanto o repouso, o esporte, a reflexão (ou a oração)." Jean Castarède
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