segunda-feira, 16 de julho de 2007

Era uma vez, uma Gisele...


Gisele nasceu numa família muito rica. Nasceu com muita saúde mas sem nenhum atributo físico. Quando bebê, tinha três babás que se revezavam e diziam que nunca tinham visto uma criança tão feia, mas com pena, comentavam “quem sabe quando a menina crescer ela não muda?”

As babás estavam enganadas. Gisele descobriu o espelho ainda pequena e não entendia o que via, achava que era um brinquedo que distorcia a sua imagem. A única vantagem era ir nas festas de halloween apenas com o vestido e o chapéu. O nariz já era grande demais, as orelhas de um tamanho descomunal que a mãe a ajudava prender com fita dupla face. Os olhos saltados ficavam assustadores embaixo das sombrancelhas grossas, sua boca grande dava um certo equilíbrio ao seu queixo avantajado e sua cabeça... bem, sua cabeça era desproporcional ao restante do corpo, e ela não era baixa, tinha 1,87m... a sua cabeça, realmente, é que era grande demais.

Gisele adquiriu quilos e quilos a mais, quando começou a comer, compulsivamente, pra compensar toda a solidão que era a sua vida. Gisele cresceu, convivendo com os olhares de pena, olhares de indignação e com muitos desvios de olhares.
Gisele se apaixonou. A primeira paixão foi pelo garoto mais feio do colégio, mais baixo do que ela, com óculos fundo de garrafa, dentes grandes que não cabiam dentro da boca, usava aparelhos dentários que faziam sua boca salivar constantemente e o cabelo sempre com aspecto de sujo, repartido para o lado.
Um belo dia, ela resolveu lhe pedir um beijo, aproximou-se do rosto dele, seu queixo se encostou no dele e ele lhe empurrou dizendo e cuspindo saliva, ao mesmo tempo:
- Você não tem espelho em casa?

Aos 23 anos Gisele decidiu reunir a família e pediu que toda a sua herança fosse empregada numa mega super cirurgia de renascimento facial e corporal. Todos da família se entreolharam e não viram outra saída a não ser, concordar.

Decidiram que seria em outro país, algo sigiloso. Uma equipe de cirurgiões japoneses, americanos, alemães, russos e um brasileiro se reuniu para o desafio. Alguns pensaram que isso poderia ter um terrível desfecho e quase desistiram na hora da cirurgia, mas o japonês, olhando para o corpo estendido, disse:
- coitada, a menina é muito feia!

Foram semanas de cirurgia num rodízio de pizzas, médicos, enfermeiros, anestesistas, familiares...
Gisele teve seu globo ocular transplantado por um menor, suas orelhas foram reduzidas e grudadas de novo à cabeça, seu nariz foi cerrado e minuciosamente estudado para ter equilíbrio com o queixo, que também havia sido cerrado e diminuído. Parte da pele do rosto foi retirada e esticada para que sua boca fosse refeita, seus dentes foram extraídos e uma nova arcada dentária implantada, com dentes perfeitos e branquíssimos.
O mais dificil foi a cabeça. O couro cabeludo e a pele do rosto foram repuxados ao máximo e lhe implantaram muitos cabelos, uma linda e espessa cabeleira fez com que a sua testa diminuísse um pouco.
Silicone aqui, mais um pouco ali, redução de estômago, de barriga, de mãos (os dedos foram recauchutados, sem deixar nenhum calinho pra contar história).
Felizes com o resultado, os médicos combinaram com a família que só iriam acordá-la quando tudo estivesse totalmente perfeito.
Gisele saiu do hospital e foi levada ainda de maca, dopada, ao melhor salão de beleza de Boston, onde o melhor cabeleireiro cortou os seus cabelos, aplicou-lhe luzes, hidratação, redesenhou suas sombrancelhas, lixaram suas unhas, as esmaltaram e a colocaram numa câmara de bronzeamento artificial.

Os médicos foram ao salão de beleza, para que, quando a acordassem, eles presenciassem sua obra prima.
- Ela está acordando! - sussurrou a mãe.

Todos correram pra perto dela. Gisele abriu os olhos. Lindos olhos azuis.
- Lindos! - gritaram em coro

Gisele sorriu. Um sorriso perfeito.
- Ohhhhh!!!! – todos exclamaram perplexos.

Gisele se sentou na cama, tirou lentamente sua linda lingerie Victoria’s Secret e colocou rapidamente a mão na barriga que agora, estava perfeitamente lisa, graças aos cremes Nivea que lhe aplicaram por todo o corpo.
- Nossssssaaaaaaa!!! – o médico japonês já sacava sua máquina fotográfica.

Gisele jogou, com a cabeça, os cabelos para os lados (slow motion) para sentir o movimento dos cacheados loiros naturais hidratados.
- Parabéns Wanderley - disse a mãe batendo palminhas, não se contendo de alegria

Gisele pediu que todos se afastassem, pois ela iria descer da cama.
Todos encantados, tomaram distância e Gisele ao colocar os pés no chão, caiu!
- Ohhhh, Gisele caiu!!! Todos espantados correram para acudí-la.

Ela disse, em tom irritado:
- Olhem, meus pés...

- Nossa, os pés! - todos saíram correndo.

Correram até um shopping e compraram um lindo par de sandálias Ipanema Grendene.

3 comentários:

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Entre uma Gisele e outra, fico com seu texto, Helô. Muito divertido!

Bjs

Magda disse...

Tenho que te confessar uma coisa: o nome escolhido pela minha mãe, durante a minha gestação, era Gisele - na hora do nascimento ela resolveu mudar pra evitar a rima - Gisele Peli. Mudou pra Magda, aí meu pai acrescentou Aparecida e deu no que deu. Mais um detalhe, quando pequena minha cabeça era tão grande que uma vizinha sugeriu que minha mãe me levasse ao médico. E é
verdade, tem uma foto minha com 1 ano, estou sentadinha, e meu corpo é do tamanho da minha cabeça - exatamente, já medi com uma régua! Fui levada ao médico, na época nada foi constatado.
O médico disse que era sinal de inteligência, que eu devia ser parente do Rui Barbosa. E como a testemunha do meu nascimento, que consta em registro, era um tal de Rui Barbosa, a família se conformou. Com o tempo as proporções foram se encaixando, não sei se a cabeça que reduziu ou o corpo que aumentou muito, de qualquer forma, os desvios externos da cabeça se acomodaram. Os
internos, acho melhor nem checar, pois hoje a medicina evoluiu muito e vai que...
Apesar de todos os traumas causados, legal seu texto!
Bjs,
Magda

Malu disse...

Bravo, Helô!!!
Muito bom.

Malu

ELIZABETH SECKLEN

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"o luxo é uma válvula de escape tão indispensável à atividade humana quanto o repouso, o esporte, a reflexão (ou a oração)." Jean Castarède